A fronteira entre Mauritânia e Senegal, via Rosso, foi a primeira em que tivemos contato com o caos na Terra, com muita gente oferecendo táxi, troca de dinheiro e até barco para cruzar o rio Senegal. Ali, o mais aconselhável é ter sangue frio e ignorar as pessoas, o que eu, com meu bom coração, não sei fazer —para desespero da Pati.
Há a alternativa de fazer o trajeto direto entre as duas capitais, Nouakchott e Dacar, via Diama, em um táxi privativo. O veículo sai por volta das 4h e chega ao meio-dia. Não escolhemos essa opção pelo valor proposto: 3.000 ouguiya (R$ 439,10) por pessoa.
Para chegar ao formigueiro de Rosso, saindo de Noaukchott, precisamos pegar uma minivan. No dia anterior, ao conversar com Jersey, nosso amigo polonês que também viajaria conosco, ele nos disse que era necessário comprar o quanto antes os assentos.
Nos apressamos, então, em chegar à garagem Rosso. Lá, porém, nos falaram que só precisava reservar as vagas e que o pagamento seria na hora de partir. Havia as opções das 6h e das 7h, e escolhemos não madrugar tanto. De qualquer forma, nos avisaram que devíamos estar no local às 6h30, para o que chamam de convocação.
Na manhã seguinte, quando estávamos chegando, o motorista do táxi perguntou em qual das duas garagens Rosso queríamos descer. Já bateu o medo, porque não sabíamos que havia mais de uma e poderia haver um desencontro com nosso amigo polonês. Dito e feito. A sorte é que a distância entre elas é de uns 500 m e, enquanto a Pati ficava na loja onde reserváramos a van, eu ficaria esperando Jersey na outra.
Deu tempo de encontrá-lo, pagarmos as passagens (300 ouguiya/R$ 43,63) e de papear bastante em pé, porque a minivan saiu atrasada, por volta das 7h30. A viagem de Nouakchott até Rosso teve uma parada para comprar comida, numa vila, e durou cerca de 4 horas.

Fronteira Mauritânia
Quando paramos em Rosso, vários taxistas abriram a porta do nosso veículo e começaram a oferecer para nos levar até a fronteira. Como era cerca de 1 km, optamos por ir a pé, mesmo que estivesse bem quente.
Quanto mais perto da divisa, mais gente nos abordava. Um homem, do outro lado da rua, começou a nos chamar e eu fiz o que não devia: dei atenção. Esse foi o aval, na cabeça dele, para colar na gente e nos guiar, mesmo que o caminho fosse uma longa linha reta. Ao menos, ele afastava os demais nativos.
Como precisávamos de francos da África Ocidental, moeda adotada no Senegal e em vários outros países da região, procuramos uma casa de câmbio, já que não confiávamos nas pessoas na rua.
Na nossa primeira tentativa, o atendente disse que precisava esperar o chefe. Eis, então, que entra um homem com camisa de basquete e, afirmando ser policial, nos avisa que temos que prestar atenção, porque há muitos golpistas.
Quando o dono da loja chegou, nos ofereceu um valor muito baixo e prontamente partimos. Do lado de fora, o “policial” nos mostrou no celular qual seria o máximo que conseguiríamos, mas ele sumiu quando chegamos perto de policiais uniformizados.
Na segunda casa de câmbio achamos um valor mais justo (e melhor do que em Dacar, inclusive) e trocamos uma parte de nossas economias. Com dinheiro —bem guardado— no bolso, nos dirigimos à fronteira propriamente dita.
Lá, várias pessoas nos abordaram, mas fomos direto aos agentes uniformizados. Ele nos cobrou uma cópia do passaporte brasileiro e, como já sabíamos que o governo mauritano gosta de uma burocracia, estávamos com várias réplicas de nossos documentos. O polonês, porém, não tinha se prevenido e precisou fazer uma cópia em uma lojinha perto.
Passamos rapidamente por mais um guichê antes de chegar ao último, onde dois funcionários analisaram nossos passaportes e, após poucas perguntas, os carimbaram.
Em toda essa empreitada, aquele “guia”, um barqueiro que faz a travessia do rio Senegal por 2.000 XOF (R$ 17,60) por pessoa, esteve sempre ao nosso lado —um segundo homem passou a nos acompanhar também. Há um ferry gratuito que liga os dois países, e volta e meia ele deixa de operar, a depender das relações diplomáticas entre as nações. Por isso há várias pessoas oferecendo o traslado por barco.
Um polonês havia atravessado a fronteira dias antes e disse que o ferry não estava funcionando —ele pagou 1.200 XOF (R$ 10,60) num barco particular. Eu perguntei a um dos funcionários do último guichê se o ferry era gratuito e, após ele olhar o nosso “guia” e sorrir, respondeu que havia vários barqueiros disponíveis.
Assim que estávamos liberados, o ferry chegou e várias pessoas subiram nele. Adotamos o dito popular de “não sabendo que era impossível, foi lá e fez” e entramos no barco, à espera de que alguém nos barrasse. Ninguém nos proibiu e deixamos o Senegal, e nosso guia, para trás.
Fronteira Senegal
Assim que o ferry aportou, saímos em direção à cabine oficial. Mas, entre tanta gente, um homem nos abordou e, quando percebemos, era um policial. Nos pediu os passaportes, ficando com eles, e nos orientou a irmos ao prédio da fronteira.
O segundo homem que havia colado na gente também viajou de ferry e começou a nos guiar ali. E de maneira errada, diga-se de passagem. No prédio oficial, havia 3 filas: habitantes da região, quem viaja de carro e estrangeiros. O “guia” nos fez entrar na primeira fila, quando o policial da saída do ferry nos chamou e mandou entrar no edifício.
Lá dentro, ficamos igual baratas tontas. O oficial nos mandou esperar no corredor, enquanto ele entrava numa salinha. Dali saiu outro com os passaportes e mandaram esperar 2 passos adiante, enquanto ele entrava em outra sala. Aí ele saiu e outra pessoa estava com nossos documentos, nos falando para ficarmos outros 2 passos para lá. No fim, tínhamos que sair e ir para a fila dos estrangeiros.
Uma oficial fez a burocracia de colher nossas digitais e tirar nossa foto, além de perguntar destino e profissão —os agentes de fronteira são muito curiosos em saber como ganhamos a vida. No Senegal, brasileiros não precisam de visto para visitar o país, e o carimbo na entrada dá direito a permanecer por 90 dias.
Enquanto estávamos lá, nosso “guia” estava sempre nos orientando, e nos irritando também. Feita a parte burocrática, precisamos apresentar, alguns metros adiante, nosso comprovante de vacinação contra a febre amarela pela primeira vez em solo africano.
Sufoco para chegar a Dacar
Saímos de Rosso, na Mauritânia, para entrar em Rosso, no Senegal. Dali, iríamos até Dacar, enquanto o polonês pararia em Saint-Louis, uma cidade mais próxima. Nosso plano original era seguirmos para lá também, mas, como estávamos numa rotina de viagens diárias, optamos por pegar mais horas de estrada para ficarmos parados vários dias na capital. Até agora não sei se foi uma sábia decisão.
Assim que passamos a fronteira, nosso “guia” falou que havia táxi até Dacar. Quando perguntei o preço, disse que precisava ver com o chefe. O ignoramos e seguimos andando. Em um ponto com vários táxi, perguntamos para um homem com colete, que imaginávamos ser um funcionário público, como fazer para viajar até a capital. Ele respondeu que havia uma garagem mais adiante e que os veículos ali poderiam nos levar.
Na nossa chegada a Tunis, a primeira cidade de nossa viagem, e depois, na entrada da Argélia, passamos a evitar pegar táxi. Sempre temos a impressão que querem passar a perna em nós, dois gringos que devem estar cheios de dinheiro. Dito isto, ignoramos a sugestão do homem e seguimos a pé até a garagem, sob sol forte, por cerca de 2 km. E nosso “guia” junto.
Na garagem, entre idas e vindas, descobrimos os veículos que iriam para nossos destinos. Jersey optou por um sept-places, um carro com 7 vagas (3 passageiros ao fundo + 3 no meio + 1 ao lado do motorista), muito comum por essas bandas. Ele pagou 2.200 XOF (R$ 19,40) —não sei quanto foi cobrado pela bagagem, prática usual por aqui.

Como os sept-places costumam ser carros muito velhos, preferimos ir em uma van, o que mostrou ser uma péssima decisão. Cada um pagou 5.500 XOF (R$ 48,50) pela passagem e outros 1.000 XOF (R$ 8,80) pela bagagem. Como o veículo só sai quando está cheio, tivemos que esperar 1h30 para partirmos.
Na hora de ir embora, tivemos que montar o quebra-cabeças de pessoas nos bancos, com 4 por fileiras, onde costumam caber 3. Assim, sem muito espaço para nos movermos, saímos da garagem, para pararmos na sequência, enquanto o motorista resolvia alguma pendência burocrática.
Ainda tivemos algumas paradas em postos de controle, já que alguns dos passageiros levavam inúmeras sacolas de mercadoria —nos lembrou os brasileiros que vão para os países vizinhos fazer compras.

Em uma das paradas, onde alguns passageiros desembarcaram e outros entraram em seus lugares, aproveitamos para nos esticar. O motorista, então, nos chamou para entrar e, assim que todos ficaram novamente amontoados, ele foi comprar café.
Um pouco antes do anoitecer a van começou a fazer barulho, obrigando o motorista a parar numa oficina. Cerca de 30 minutos depois, partimos. Mas não durou muito nossa alegria, porque tivemos que recorrer a outro posto mecânico. Agora, porém, estava bem escuro, e alguns passageiros ficaram iluminando a roda com seus celulares.

Quanto mais perto de Dacar chegávamos, mais paradas fazíamos e mais desesperados eu e Pati ficávamos. Os passageiros pediam para desembarcar e, consequentemente, o motorista precisava subir no veículo para retirar as bagagens/mercadorias.
Após 9,5 horas e 383 km de van, chegamos à gare Baux Maraîchers, na capital senegalesa. Por ser tarde, poucos taxistas nos importunaram. De qualquer forma, saímos da área e recorremos a um motorista na rua, que nos cobrou 3.000 XOF (R$ 26,44). Assim, nosso dia de viagem começou às 6h, quando saímos do albergue em Nouakchott, e acabou à 1h, quando entramos no hostel em Dacar.















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