A experiência recente de viajar entre as capitais de Zimbábue e Zâmbia num mesmo ônibus nos deixou esperançosos de que cruzar a fronteira zambiana com o Maláui seria tão fácil quanto. A realidade, porém, não está nem aí para nossas expectativas.
Na rodoviária de Lusaka —é uma forma de dizer, pois é mais um grande espaço onde se encontram os ônibus e também incontáveis pessoas te abordando para levar à empresa “certa”—, encontramos apenas a companhia Zambia-Malawi com rotas ligando as duas capitais.
No guichê, a atendente nos informou que havia ônibus às 4h, a 670 kwachas zambianas (R$ 181,50). Quando pedimos para dali dois dias, ela nos levou a outro guichê da mesma empresa.
A outra funcionária preencheu a mão nossas passagens e avisou que deveríamos levar nossas bagagens no dia anterior, para acomodar no veículo. Falamos que não teria como, já que carregamos todos nossos pertences nas mochilas e precisaríamos delas até o embarque. Sem falar que não confiaríamos em deixar todas nossas coisas longe de nossas vistas.
Ela não se mostrou nada contente com nossa recusa e alertou que o procedimento era para o conforto do passageiro. Outra informação importante: deveríamos estar no local às 3h.
Pouco antes do horário indicado, pedimos um Yango e chegamos em 10 minutos. Para nossa surpresa, um ônibus da empresa já estava a postos, com motor ligado. Quase que desesperados, entramos no veículo, sem ir ao guichê.
A aflição aumentou quando vimos que o ônibus estava cheio, tanto de passageiros quanto de malas no corredor. Como em um jogo do Mario, pisando em grandes sacos e com nossas mochilas nas costas, nos dirigimos à última fileira. Com um certo sacrifício, conseguimos nos acomodar, deixando as bagagens entre as poltronas.
Como o veículo tinha a formação de 3 + 2 assentos, contabilizamos mais de 60 pessoas. E ainda surgiram mais algumas nos minutos seguintes. Para nossa surpresa, às 4h, pontualmente, o ônibus começou a se mexer. Nem 30 minutos se passaram e um edredom, encaixado atrás da poltrona da Pati, começou a atacá-la. Seria uma longa viagem.
No decorrer do trajeto, algumas pessoas desciam e outras subiam e, às 11h45, paramos em Chipata, a última grande cidade antes da fronteira. Lá, boa parte das sacolas/bagagens e até um colchão que estava sobre a gente foi retirado, e ainda assim aguardamos por 1h30 para sabe-se lá o quê.
Ao menos, conseguimos trocar kwachas por kwachas —sim, os vizinhos têm moedas com mesmo nome, que se diferenciam entre a versão zambiana e a malauiana.
Fronteira Zâmbia-Maláui
Às 14h chegamos a um grande prédio, bem cuidado, com vários guichês das duas nações. Mal o veículo parou e já estávamos em pé no corredor, para tentar agilizar a burocracia de fronteira. Não queríamos ser abandonados novamente, como na viagem entre África do Sul e Moçambique.
O oficial zambiano folheou nossos passaportes e os entregou para o colega ao lado. Esse olhou o da Pati, carimbou e devolveu. No meu documento, perguntou sobre meus dreads, que raspei antes de viajar para a África, e onde fiquei em Lusaka. Carimbou e pronto.
Metros adiante, entregamos os passaportes europeus —meu polonês e o italiano da Pati— e os eVisas impressos. Um casal de franceses havia embarcado em Chipata, mas estava apenas com a versão digital do visto, apesar da orientação para ter uma versão impressa estar escrita no documento. O oficial os orientou a imprimir ali perto e, quando voltaram, os 4 passaportes foram encaminhados para outro agente.
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Enquanto aguardávamos, a apreensão de o ônibus partir sem a gente só crescia. A todo instante nos certificávamos se o veículo ainda estava ali. Ao fim de 50 minutos nossos passaportes voltaram e foram carimbados. E fica a pergunta: se o governo já autorizou virtualmente, por que o oficial na fronteira levou tanto tempo para dar o ok no documento?
De qualquer forma, com o passaporte carimbado em mãos, aproveitamos a mordomia de ter um caixa eletrônico no prédio da fronteira —algo impensável na costa oeste do continente— para sacar moeda local e também ir ao banheiro. E sempre monitorando se o ônibus ainda estava ali.
Eis que os passageiros começam a subir no veículo, após uma última conferência dos passaportes por um agente na porta do ônibus. Um pouco a frente de nós, um homem é orientado a sair da fila.
Todos embarcados, passamos a esperar esse homem, com roupas muçulmanas, voltar, o que levou cerca de 1 hora. Quando ele finalmente chega, todos estão na expectativa de partirmos. Mas o motorista nem entrou no ônibus.
Entre muitas discussões com os funcionários da empresa, descobrimos o porquê de não voltarmos pra estrada: o ônibus que partira de Lusaka às 6h não seguiria pelo Maláui, então teríamos que esperá-lo para realocar seus passageiros. Quando as pessoas souberam disso, houve muita pressão e alguns inclusive abandonaram o veículo para tentar outros meios de viagem.
Por fim, o ônibus das 6h surgiu e, às 17h20, mais de 3 horas após entrarmos no prédio da fronteira, partimos para Lilongwe. Lá, chegamos às 19h45, completando quase 16 horas de viagem, com direito a 1h30 em Chipata e 3 h na divisa. E isso que são 700 km de distância e a estrada não é ruim.















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