A geografia incomum da Malásia nos fez entrar em seu território duas vezes. Na ilha de Bornéu, que os malásios dividem com Indonésia e Brunei —a única no mundo que abriga três nações reconhecidas pela ONU—, acessamos via barco a partir do vizinho bruneíno. Já na parte continental, cruzamos a fronteira terrestre com Singapura.
Aproveitamos o voo da Malásia para Singapura para trocarmos os passaportes. Estávamos com os documentos europeus —o italiano da Pati e o meu polonês— porque são isentos de visto no Brunei e em Timor-Leste, sem falar que enfrentam menos burocracia na Austrália.
A partir de agora, na Ásia, o passaporte brasileiro possui praticamente tanta vantagem quanto os da Europa —exceto no Vietnã, já que o italiano é visa-free, enquanto viajantes do Brasil e da Polônia precisam de um eVisa. O documento azul, mesmo garantindo isenção de visto na Malásia, nos gerou um bom chá de cadeira na fronteira com Singapura (explico mais para frente).
Fronteira Brunei-Malásia
Após poucos dias em Bandar Seri Begawan, no caro Brunei, partimos em direção ao lado da Malásia. É algo fácil, pois há um ônibus que liga a capital bruneína a Kota Kinabalu, a maior cidade malásia na ilha de Bornéu.
O problema é a geografia desses dois países, pois o viajante precisa cruzar um exclave bruneíno para chegar ao destino, por terra. Ou seja, tem que passar por três fronteiras e receber seis carimbos, entre os de saída e os de entrada, além de preencher os questionários digitais exigidos por cada nação. Há uma ponte que liga as duas porções do Brunei, mas, aparentemente, o ônibus da Sipitang Express (US$ 32/R$ 183) não utiliza essa via.
Como não estávamos dispostos a perder páginas dos passaportes com tanto carimbo, nem enfrentar o sobe e desce em cada posto de fronteira, resolvemos dividir a jornada em quatro veículos diferentes, entre barcos e ônibus.
Primeiramente, pegamos o ônibus de linha nº 39 (B$ 2/R$ 9) de Bandar Seri Begawan a Muara, numa corrida que levou 40 minutos. Nos organizamos para chegar o quanto antes, pois somos temerosos de possíveis atrasos ou acidentes.
No porto, compramos em dinheiro vivo os bilhetes do barco para Labuan, por B$ 25 (R$ 109,50) por pessoa. Há ali um senhor que vende comidas industrializadas, suvenir e, o mais importante, Wi-Fi (B$ 1/R$ 4,50 por tempo ilimitado), necessário para preencher o Malaysia Digital Arrival Card, um formulário exigido para entrar no país. O documento pede informações como passaporte, meio de transporte usado na viagem e data prevista de saída.
Cerca de 30 minutos antes de zarpar, às 13h, é liberado o acesso ao barco. Os agentes de imigração foram ágeis e apenas carimbaram nossos passaportes europeus. A embarcação era pequena e num formato diferente dos ferries que costumamos pegar nessa volta ao mundo. Toda fechada, parecia preparada para eventuais tempestades ou ondas gigantes.

Em cerca de 1 hora e 15 minutos chegamos à ilha de Labuan e a entrada na Malásia foi bem tranquila. Os agentes se dividiam em dois guichês e a funcionária que nos atendeu registrou nossas digitais e tirou uma foto, tudo rapidamente —lembrando que aqui ainda estávamos com os passaportes europeus.
Ao entrar no território malásio, fomos em busca do próximo barco, desta vez para Menumbok, já em Bornéu. O cartão da Wise não funcionou na compra (RM 22/R$ 29 por pessoa), mas há alguns ATMs na região, assim como restaurantes e lojas com industrializados.

Para entrar no segundo barco, precisamos passar novamente por uma agente de imigração, o que nos fez imaginar que teríamos o mesmo problema do ônibus, de receber carimbos em todas as paradas. Mas ela informou que seria só ali e que, ao chegar à ilha de Bornéu, não teríamos que passar por outros funcionários.
O barco, menor que o primeiro e também todo fechado, saiu às 15h30 e levou cerca de 20 minutos até Menumbok. Ao saírmos do porto, já havia um ônibus (RM 20/R$ 26,50 por pessoa) à espera de passageiros para Kota Kinabalu. Ele partiu às 16h20 e chegou às 19h30. Essa jornada com quatro veículos nos custou R$ 174, ou seja, R$ 7 a menos que o ônibus entre a capital do Brunei e a cidade da Malásia.
Nosso destino em Bornéu era outra ilha, Mabul, onde queríamos mergulhar. Para chegar lá, o barco zarpa de Semporna. Pegamos um ônibus noturno a partir de Kota Kinabalu, mas no dia seguinte, para podermos descansar de tanta estrada e mar. Sem falar que o intervalo entre a chegada de um ônibus e a partida de outro era muito curta, e qualquer atraso poderia nos fazer perder o veículo. Para que tanta pressa, não é mesmo?
Fronteira Singapura-Malásia
Conseguimos mergulhar em Mabul e pegamos outro ônibus noturno, no caminho reverso para Kota Kinabalu, de onde voamos para Singapura. Ficamos poucos dias nessa cara cidade-Estado e retornamos para a Malásia, desta vez na parte continental.
Como a fronteira entre Singapura e Johor Bahru é muito perto do centro, pegamos um metrô e um ônibus de linha para chegar ao prédio oficial. O segundo veículo não tinha muitos passageiros e os seguimos assim que estacionamos.
Assim como na entrada em Singapura, a ideia era passar novamente por um controle eletrônico de passaporte para sair, mas a máquina não conseguiu ler meu documento. Quando pousamos no país, o totem demorou para reconhecer, mas um oficial resolveu na mão. Desta vez, porém, eu precisei ir a um guichê falar com um agente, que resolveu tudo rapidamente.
Sem carimbos e liberados, seguimos o grande movimento e embarcamos num ônibus de linha, muito provavelmente o mesmo que pegamos para sair do centro singapurense. Em questão de minutos, atravessamos a ponte —afinal de contas, além de cidade-Estado, Singapura é um país-insular— e estávamos no lado da Malásia. Aí começou nosso chá de cadeira.
Com o Malaysia Digital Arrival Card preenchido, desta vez com informações do ônibus, apresentamos nossos passaportes brasileiros ao oficial de imigração, que prontamente pediu o comprovante de vacinação da febre amarela. Aprendemos na África a carregar várias cópias na mochila, assim como da vacinação da Covid.
O sujeito nos conduziu, então, para uma sala, onde aguardamos cerca de 30 minutos até duas agentes nos levarem para o guichê de controle sanitário. Eu achei, primeiramente, que queriam averiguar algo relacionado à Covid. Lá, um banner apresentava os sintomas da mpox, e passei a pensar que queriam se certificar de que não estávamos contaminados. Como o lugar estava vazio, aguardamos um tempo e, sem chegar ninguém, voltamos à sala original.
Analisando toda a situação, entendemos que o problema estava em nosso comprovante de vacinação da febre amarela. Para entrar em Singapura, o Singapore Arrival Card perguntava se estivéramos na América do Sul e/ou na África nos últimos seis dias. Só depois viríamos a saber que, quando o viajante chega num voo do Brasil, precisa mostrar o documento a um agente de imigração.
Ali, na sala malásia, tivemos que esperar mais um bom tempo até surgir um funcionário da saúde —como era sábado, era capaz de ele estar de sobreaviso em casa—, que passou a nos questionar sobre nossos últimos dias. Explicamos que em Singapura ninguém nos pediu o comprovante de vacinação e que antes visitáramos outros países, inclusive a Malásia, mas com os passaportes europeus. Ele solicitou os documentos e, após averiguar os carimbos, nos liberou a passagem.
Entre falar com o primeiro oficial e ganhar os carimbos, levamos cerca de uma hora e meia. Mas, em nenhum momento, sentimos que nos pediriam propina ou que não daria certo. Na pior das alternativas, voltaríamos para Singapura para avaliar os próximos passos.
O prédio da fronteira foi o mais movimentado que vimos nesses dois anos de viagem e, ao sair de lá, demos de cara com Johor Bahru, uma cidade enorme e moderna. Não à toa, é a segunda maior da Malásia.
Pegamos um hotel perto, para onde rumamos a pé, mas antes fomos ao terminal de trem para descobrir quanto custava ir até a capital, Kuala Lumpur. Enquanto ali a passagem saía por RM 50 (R$ 66,50), o ônibus estava RM 30 (R$ 40), e ainda chegaria mais rápido à capital. Essa matemática foi fácil de fazer.
















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