Se nossa lista de desejos na África envolvia ver animais em seu hábitat, o que conseguimos realizar em safáris por conta própria na Namíbia e na África do Sul, além de ficarmos muito perto de gorilas-da-montanha em Uganda, na Ásia queríamos andar de moto. Mais do que isso: pilotar pelas sinuosas curvas do Ha Giang Loop, no norte do Vietnã ––abaixo, falo sobre fazer por conta ou em grupo, como foi nosso roteiro e a importância de ter a Permissão Internacional para Dirigir (PID).
O único detalhe é que nenhum de nós dois tínhamos carteira de motorista para moto. Eu até tentei em 2007, mas só consegui passar no exame de carro. Planejamos essa volta ao mundo desde 2015, então me organizei para fazer autoescola em 2022, meses antes de cairmos na estrada.
Como gosto de dizer, usei o Olho de Thundera, do desenho ‘ThunderCats’, e, com a visão além do alcance, resolvi essa burocracia quase três anos antes de realmente precisar usá-la. E vimos como é importante ter a CNH correta, além da PID, já que precisei apresentar os dois documentos nas quatro vezes em que fomos parados por policiais durante essa aventura de 350 km de moto.
O que é o Ha Giang Loop





Há pouquíssimas informações em blogs em português ––achei alguns vídeos no YouTube, mas confesso que não tenho paciência para assistir––, então precisei recorrer a sites gringos.
O Ha Giang Loop nada mais é do que um roteiro por estradas sinuosas e estreitas, muitas vezes subindo ou descendo incontáveis montanhas, com algumas cidades e muitos mirantes pelo caminho. Há ainda um cachoeira e um tour pelo rio Nho Que. É possível contratar um pacote de carro, mas os mais aventureiros optam por viajar de moto.
Quando comecei a pesquisar com afinco ––quatro dias antes––, vi que algumas pessoas fazem tudo por conta própria, enquanto a maioria prefere contratar um pacote. Neste caso, há duas opções: viajar na garupa de um easy-rider, um piloto local, ou fazer o self-riding, conduzindo a própria moto.
Eu, com a confiança típica de um leonino, acreditava que poderia fazer o Ha Giang Loop sem o apoio de profissionais. Afinal de contas, são mais de dois anos de viagem sem pagar por consultorias ou afins. Mas, como eu seria responsável por outra pessoa, a Pati, achei melhor pesquisar com mais atenção.
A indústria do turismo na região é bastante desenvolvida, e muitas agências em Hanói vendem pacotes para lá. Mas também pode-se contratar diretamente empresas em Ha Giang, que normalmente atuam com hospedagens.
Há variações dos passeios, como a duração ––escolhemos o de 3 dias e 2 noites–– e o tipo de hospedagem, entre dormitórios e quarto privado. Os lugares costumam oferecer ida e volta para a capital, uma passagem que você consegue comprar diretamente na internet.
Em grupos de Facebook ––sim, eles ainda existem–– e perfis no Instagram, filtrei três. O Bong backpacker hostel (₫ 2.950.000/R$ 723 o self-riding e ₫ 3.950.000/R$ 968 o easy-rider) foi o que mais me agradou, pois tem um texto onde explica como viajar por conta própria por lá. Os outros dois são o Lila Inn & Tours (US$ 108/R$ 659 o self-rinding e US$ 144/R$ 878,50 o easy-rider) e o Jasmine Ha Giang (₫ 3.408.000/R$ 835,50 o self-riding e ₫ 4.680.000/R$ 1.147 o easy-rider).
Estava tudo certo para fecharmos com a primeira empresa, mas, ao contratarmos um passeio para Ha Long Bay na Hanoi Golden Tours, na capital, acabamos por negociar com eles também o Ha Giang Loop. No fim, pagamos ₫ 3.225.000 (R$ 790,50) por pessoa pela opção self-riding, com direito a um sleeping bus para ir e uma van para voltar à capital.
Como é o Ha Giang Loop
Um micro-ônibus nos buscou às 19h25 no Old Quarter, em Hanói, e nos levou ao sleeping bus, que saiu às 21h e chegou às 4h30 em Ha Giang. Percebemos que é comum veículos fazerem esse transporte de madrugada, e o recepcionista do Hong Hao hostel & Motorbikes já estava nos esperando. No enorme quarto, 16 cápsulas com camas de casal.
Na manhã seguinte, durante o café da manhã, cerca de 40 pessoas foram divididas entre os grupos com seus respectivos guias. No nosso, estavam um casal de ingleses com ascendência indiana, duas jovens de Singapura, uma de Israel e um norueguês. Todos com um piloto vietnamita.
Tivemos um entrevero a respeito da CNH, explicado abaixo, e assim partimos às 9h. Como éramos os únicos self-driving do grupo, ficamos sempre em segundo, atrás apenas do guia, Pehn. Assim que saímos de Ha Giang, já percebemos que o tour seria desafiador, tanto pelo tempo fechado quanto pela estrada. Cruzamos o desfiladeiro Bac Sun, o portão do paraíso de Quan Ba, as montanhas gêmeas de Quan Ba e o desfiladeiro Can Ty.





O almoço, em Yen Minh, foi similar às demais refeições, com pratos variados de salada, carne, arroz e opções veganas. Depois, fomos para o desfiladeiro Tham Ma e o Palácio do rei Hmong, um antigo monarca local. No fim de 140 km no primeiro dia, chegamos à cidade de Dong Van por volta das 17h, onde dormimos em um quarto privado. Jantamos lá com outros três grupos de turistas e, quando nossos colegas foram para a comum sessão noturna de karaokê, ficamos para descansar.
No segundo dia, acordamos com uma forte neblina e tomamos café da manhã na cidade. Na sequência, pilotamos pelo desfiladeiro Ma Pi Leng, um dos mais bonitos da região, mas nada vimos por causa do tempo fechado. Depois, fomos ao rio Nho Que, onde navegamos por um tempo e algumas pessoas se aventuraram nas águas geladas.










O almoço foi em Mâu Duê e, de lá, cruzamos o desfiladeiro Sa Li e passamos pelo mirante Lung Ho. Neste dia, rodamos cerca de 160 km. Dormimos numa pousada na vila de Du Gia, onde teve o jantar e a noite de karaokê, ao lado de outros dois grupos. Como há muitos viajantes no mesmo roteiro, é comum encontrá-los nas paradas e nas hospedagens, e não necessariamente divide-se o lugar com pessoas da mesma agência.
No terceiro e último dia, acordamos com chuva, que ficou mais forte após o café da manhã. O problema é que o pior trecho da estrada está no final, com muitos pedaços de terra e pedra, o que fica mais complicado quando está molhado. Como muitos viajantes pegariam o ônibus das 16h para Hanói, partimos mais cedo do que os demais, por volta das 8h. Foi providencial, porque fomos os primeiros a chegar à cachoeira Du Gia e a aproveitamos sozinhos ––inclusive dois dos colegas (malucos) nadaram nas águas frias. Enquanto saíamos, mais de 50 pessoas pararam suas motos.



Menos de 10 minutos depois de partirmos, eu tive um problema com a garrafa d’água que caiu e atrapalhou o freio do pé direito. Isso me fez ter a primeira queda do dia. Nada grave, mas entortou um pouco a marcha, que fica no pé esquerdo. Com uma pedra, os pilotos do grupo arrumaram rapidinho e logo pegamos a estrada.
A chuva e a neblina iam e voltavam, e logo chegamos ao mirante de Duong Thuong. Após um grande trecho de subida numa estrada enlameada, paramos para descansar e, quando retomamos o caminho, eu e a Pati tivemos a segunda queda. Desta vez, o espelho direito quebrou, assim como vazou um pouco de combustível. Também ganhei alguns arranhados e nós dois ficamos com roxos pelo corpo.
Seguimos viagem e almoçamos pelo caminho. Chegamos a Ha Giang por volta das 15h30, após um dia inteiro de chuva e de 350 km rodados ao todo ––50 km foi nesta última parte. Pagamos ₫ 50.000 (R$ 12,50) pelo espelho, trocamos de roupa e subimos numa van, que nos deixou em Hanói por volta das 22h.
Precisa de Permissão Internacional para Dirigir (PID)?
Até alguns anos atrás, havia pouca fiscalização policial e muito estrangeiro se aventurava sem carteira de habilitação. Ultimamente, porém, o governo está mais exigente, e ainda assim há os que pegam a moto sem a documentação correta. Como falei antes, fiz as aulas em 2022 justamente para estar dentro da lei.
O problema é que um ou outro policial não segue as normas. Um pouco antes de partirmos, no primeiro dia, a equipe do hotel falou que a minha Permissão Internacional para Dirigir (PID) não seria aceita, já que lá está só A, e a moto utilizada, uma semiautomática 110cc, exige o A1.
Começou, então, um grande debate de lógica, pois, se eu tenho habilitação para uma moto manual, possuo conhecimento para pilotar uma menor (semiautomática ou automática). Sem falar que, em conversas por WhatsApp, a empresa avisou sobre a PID ser “A or A1″.

Eles deram duas opções: contratar um easy-rider por pessoa ou arriscar e pagar multa, caso fôssemos parados pela polícia. Cientes de que minhas CNH e PID estavam de acordo com a lei, insistimos no self-driving e a solução foi eu ir à polícia conferir se eu poderia pilotar moto no Vietnã. Lá, o oficial confirmou.
O problema era que a empresa não estava disposta a arcar com possíveis cobranças, e então foi a vez da Pati ir à delegacia pedir a confirmação por escrito, para apresentar nas barreiras. Os agentes disseram que não precisava, já que estava tudo dentro da lei. Após muito debate entre nós e a equipe do tour, e entre eles mesmos, pudemos iniciar nossa aventura.
Fomos parados quatro vezes (três na primeira manhã e uma na segunda), e em todas as vezes quiseram ver a PID e a CNH. Os agentes miravam em mim, porque deixavam Pehn, o primeiro piloto, passar e aí me orientavam para ficar. Na última barreira, o oficial foi mais rigoroso, pois pediu para eu assoprar no bafômetro e ficou olhando a moto. Nosso guia precisou falar algo em vietnamita para o sujeito nos deixar seguir.
Enquanto viajávamos, soubemos de brasileiro que estava apenas com a CNH e pagou uma multa de US$ 60 (R$ 366). Na barreira seguinte, ele apresentou o recibo e foi liberado. Ouvimos ainda que dois gringos pagaram uma multa de ₫ 3.000.000 (R$ 735,50) quando foram pegos no bafômetro.
Dá para fazer o Ha Giang Loop por conta própria?
É claro que dá, mas só recomendo para quem tem bastante experiência em cima de uma moto. Eu estava com bastante dúvida e, após fechar o contrato com a Hanoi Golden Tours, descobri que o casal do @ondeoventofor fez sozinho o passeio, no fim de 2022 ––tem um destaque no perfil deles, no Instagram, com muitas dicas.
Aí bateu aquela raiva, pois vi que sim, é factível fazer tudo por conta, e que tínhamos gastado bastante ao contratar um grupo. Uma viagem independente é muito mais barata: uma moto semiautomática 110cc, por exemplo, pode ser alugada por ₫ 400.000 (R$ 98) ao dia, já com seguro.
Obviamente, quando se faz esse passeio por conta, você é responsável pelo roteiro, por monitorar o combustível e por localizar as hospedagens. E isso dá a liberdade de ficar mais tempo em cada parada e sair mais cedo para evitar os grandes grupos.

No segundo dia, antes mesmo das quedas, eu cheguei à conclusão de que viajar com uma agência valeu a pena. Eu já tinha que gerenciar as tensões de conduzir uma moto sem muita experiência ––eu só tinha pilotado na Indonésia, na Tailândia e entre Da Nang e Hoi An, no Vietnã––, e seria pior estar sozinho o tempo todo. Contribuiu também o fato de que os colegas de grupo eram divertidos, o que gerou uma boa sinergia entre todos.
Não descarto no futuro viajar novamente pelo Ha Giang Loop, ou até mesmo comprar uma moto e cruzar todo o Vietnã ou até os países do Sudeste Asiático, como o Rafa Dallacqua fez com a sua moto Dolores. Aí, com mais experiência, provavelmente me aventurarei em percorrer por conta própria as estradas sinuosas do norte vietnamita ––resta saber se a Pati vai topar mais essa aventura.















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