A Mauritânia materializa vários dos preconceitos que se tem de países africanos: crianças pedindo dinheiro na rua, cidades que não oferecem atrativos turísticos, ruas de areia, deserto e calor. Isso significa que não há nada para fazer nessa nação? Mais ou menos. Para descobrir, precisa de muita força de vontade e bons contatos.
Informações práticas*:
- Média preço almoço: 500 ouguiya (R$ 77,50)
- Média preço jantar: 205 ouguiya (R$ 30)
- Média preço hospedagem: 1.000 ouguiya (R$ 146)
- Deslocamentos: van compartilhada
- Visto: emitido na entrada do país por 55 euros. Saiba como funciona
- Moeda: ouguiya (R$ 1 = 6,88 ouguiya)
- Dica: tenha cerca de 20 cópias da página de identificação do seu passaporte para entregar nos postos de controle na estrada
* valores para dezembro de 2022 para duas pessoas
Nossa primeira parada foi em Nouadhibou, cidade localizada numa península dividida entre Mauritânia e Saara Ocidental. Como era necessário ter reserva de hotel para tirar o visto na fronteira e entrar no país, ficamos reféns dos endereços disponíveis nos aplicativos.
Sempre lemos as avaliações das hospedagens, e a mais barata tinha relato de bed bugs, o famoso percevejo de cama. Ficamos, então, com a segunda opção, o hotel Sahel, bastante acima do nosso orçamento diário: 48,50 euros (R$ 267,60). Normalmente, pagamos as hospedagens diariamente, para termos flexibilidade de agenda e até para buscar um endereço com custo-benefício melhor. Em Noaudhibou, no entanto, não achamos alternativas. Ao menos o café da manhã era farto.
Na fronteira, conhecemos dois poloneses, e um deles, o Jersey, ficou no mesmo local que nós. Eita polaco ponta firme! Nossa van parou a cerca de 5 km do nosso hotel, e ele topou caminhar até lá, e com mochila grande nas costas, como nós. De noite, jantamos pizza (300 ouguiya/R$ 46,50) num restaurante muito próximo à hospedagem.
No dia seguinte, junto ao segundo polonês —hospedado no hotel dos bed bugs—, fomos a uma das atrações turísticas da Mauritânia: o antigo cemitério de barcos —dizem que já foi o maior do mundo.
Durante algumas décadas, muitos navios caindo aos pedaços foram abandonados na costa de Noaudhibou, e as autoridades nada faziam porque recebiam propinas. Chegou a ter mais de 300 embarcações jogadas ali.
Com tanto barco na região, muitas companhias marítimas tiraram a cidade de suas rotas, o que impactou a economia local. Há alguns anos, houve uma limpeza e as carcaças foram removidas dali. Mas isso não significa que não tenha mais barco despedaçado na praia.
Pegamos um táxi (300 ouguiya/R$ 46,50 para os quatro) até Cansado, a 10 km do centro de Noaudhibou, e de lá caminhamos pela orla. Após uns 2 km é que encontramos o primeiro barco abandonado. Assim como lixo, muito lixo na areia —garrafa d’água, luva de plástico e sacolas, entre outros tantos itens. ONGs que limpam praias teriam que usar alguns caminhões para dar conta do recado.
Enquanto andávamos por esse cenário distópico, imaginávamos que Mel Gibson —ou Tom Hardy, se você for jovem— surgiria, em uma daquelas cenas de “Mad Max”. Ali, muitos homens trabalhavam em carcaças de barcos.

Quando caminhar pela orla ficou impossível, já que muitos trechos eram fechados por muros de empresas, passamos a andar na estrada. E tivemos contato com outra atração mauritana que empolga muitos mochileiros e aventureiros: o trem de minério de ferro, um dos maiores do mundo.
Três vezes ao dia, esse trem parte de Zouérat até Nouadhibou, percorrendo cerca de 700 km. Ele segue ao litoral cheio de minério de ferro e volta vazio para o interior do país. Há a opção de viajar no vagão de passageiros, mas muitos mauritanos (e aventureiros) optam por ficar, gratuitamente, em cima das cargas. Alguns preferem subir no veículo em Choum, e a jornada não dura menos do que 12 horas. Tivemos contato com vários relatos e analisamos toda a logística e, por fim, escolhemos deixar essa aventura de lado.

De volta ao hotel, tiramos o dia para nos recuperar dos 10 km de caminhada e também porque não há muito o que ver ou fazer em Noaudhibou. A segunda maior cidade tem uma forte presença de estrangeiros, principalmente de chineses, como se vê nas fachadas em mandarim de lojas e restaurantes. Nas ruas, muitos carros caindo aos pedaços dividem espaço com SUVs novinhas em folha.
Nouakchott
Com pouco mais de 1 milhão de habitantes, a capital da Mauritânia oferece poucos atrativos turísticos. Em nossa pesquisa, soubemos de uma mesquita e do estádio olímpico, ambos fechados para visitantes. Já ao encontrar com Jersey, ele falou que visitou um mercado de peixes e que seu conterrâneo foi ver o mercado de camelos, mas que ficava distante da cidade.
O que fazer, então, em Nouakchott? Infelizmente, não temos resposta para essa pergunta, e entendemos por que muitos mochileiros e viajantes usam a Mauritânia apenas como passagem entre o Saara Ocidental e o Senegal, uma das principais reclamações da população local. Não há muita informação disponível e as duas principais cidades não oferecem grandes atrativos. Mas calma, o país tem, sim, o que oferecer.
Oásis e deserto
Por ter muito deserto, a Mauritânia tem também os famosos oásis. Um deles fica em Terjit, a cerca de 400 km da capital. Para chegar lá, é preciso pegar uma das vans que saem do norte da capital, ao custo de 500 ouguiya (R$ 73) por pessoa. Mas quem arranjou nosso transporte do hostel até o local de partida da van e também entre Nouakchott e Terjit foi o próprio dono do albergue, Menne.
O veículo para na estrada que leva a Terjit, a uns 10 km do oásis, e normalmente as hospedagens oferecem o serviço para buscar. Avaliamos o Auberge Caravanes e o Auberge Chez Jemal, ambos com o transporte incluído no valor da diária, e optamos pelo segundo, mais perto do oásis.

Ao preço de 1.200 ouguiya (R$ 175,60), o local oferece jantar e café da manhã, além da tenda para casal. O banheiro e o chuveiro ficam do lado de fora, e não há Wifi nem água quente —mas com o calor da região, nem precisa. Já a entrada para o oásis custa 200 ouguiya (R$ 29), mas, como pagamos para o próprio Jemal, saiu por 150 ouguiya (R$ 22) por pessoa (o seu parente gerencia o local).
Tivemos a sorte de ter o oásis só para nós, e realmente é uma delícia passar algumas horas por lá. A água é quente e estar em meio às palmeiras enquanto “lá fora” faz um calor desgraçado é extremamente agradável.
Como já tínhamos acertado com um amigo de Menne para ficar uma noite em Atar, precisamos deixar o paraíso e ir para a cidade a 45 km dali. O povoado em si se limita a um mercado de variedades no centro, mas é de lá que partem muitos passeios para o deserto.
O dono do local, Sid Ahmed, nos falou das diferentes expedições que realizam. É possível fazer de 4×4, a camelo ou mesmo a pé, com durações que variam de cinco a dez dias, em grupos maiores ou menores. Ou seja, o serviço pode ser adaptado ao gosto do cliente, diferentemente dos pacotes fechados que vimos no Marrocos —que, segundo Ahmed, não tem deserto.

O preço não é tão mais em conta, se levar em consideração o passeio que fizemos (e contamos aqui) no país vizinho. Se somarmos o preço dos almoços, no Marrocos a média saiu 70 euros por dia, por pessoa. O passeio mauritano de dez dias caminhando sairia por 700 euros, no total. Mas há algumas diferenças.
A primeira delas é a personalização. Um pacote privado no Marrocos, segundo um levantamento que fizemos junto a uma agência, custaria, no mínimo, o dobro do preço. Há também a garantia de um guia, noites de contação de histórias e paradas em oásis e Chinguetti, famoso destino turístico mauritano por sua rica história. O circuito, porém, é mais raiz, por assim dizer: banheiro, por exemplo, não parece estar incluído no pacote. Além disso, o preço pode variar a depender do tamanho do grupo.
Tudo isso precisa ser acertado com Sid Ahmed, então deixamos aqui o contato dele do WhatsApp (+222 22 29 20 23) e do email (camping.inimi@yahoo.fr ou inimitours@gmail.com). Ah, e ele fala inglês, pois morou seis anos em Nova York. Sobre seu hostel em Atar, o quarto é simples e há opções com ar condicionado. Há cozinha, banheiro e chuveiro, tudo compartilhado. O Wifi depende o roteador do celular, então não é muito estável.
A nossa passagem por Atar foi breve, mas nos proporcionou descobrir o que a Mauritânia pode oferecer, apesar de não haver tanta informação disponível. Além de duas noites maravilhosamente estreladas.

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A hospitalidade mauritana
Durante toda a nossa estadia, mais do que as atrações turísticas (ou falta delas) nos chamou a atenção um traço muito marcante do povo mauritano: a sua hospitalidade.
Logo na entrada, o oficial nos falou sobre isso enquanto esperávamos que o outro agente verificasse a nossa reserva em Nouadhibou para nos liberar, e já confirmamos dois dias depois, a caminho da capital.
Em uma das paradas da van fomos comprar água, mas o local não tinha troco nem muitas opções para inteirar o valor. Um dos nossos companheiros de viagem pagou, então, pelas duas garrafas, e nós nem havíamos falado com ele antes. Momentos depois, um outro passageiro, um policial, nos deu chicletes, só por boa vontade mesmo.
Durante a nossa estadia em Nouakchott, o dono do hostel Africa Escale, Menne, também deu mostras da hospitalidade. Em nosso segundo dia lá, enquanto estávamos na área comum escrevendo para o Sem chaves, ele se aproximou e começou a conversar. Tomamos chá, jantamos e ele arranjou nosso transporte para Terjit —e o táxi para o ponto de partida— e nossa hospedagem em Atar.
Sid Ahmed, por sua vez, fez o mesmo. Compartilhamos chás e refeições, além de ter reservado nossa volta para Nouakchott e avisado Menne para que alguém fosse nos buscar no ponto de chegada da van. De volta ao Africa Escale, fomos recebidos com um almoço típico, um arroz com verduras e peixe. Também aproveitamos para reservar com o taxista amigo de Menne nosso deslocamento até a van para a fronteira com o Senegal.
Toda essa hospitalidade, no entanto, gerou um pequeno problema para nós. Na volta de Atar, tínhamos algumas coisas para resolver (escrever para o blog, fazer cópia para o passaporte, ir ao mercado etc.), então não tínhamos como ficar papeando com Menne —inclusive, nossa intenção era almoçar fora.

O pequeno problema é não aceitarem o não como resposta. Quando falamos o que queríamos fazer, nos disse que tinha mandado preparar um prato para nós, que os lugares estavam fechados até as 15h (eram 14h45) e que poderia fazer as cópias ali no próprio hostel. Sabemos que é complicado, para dizer o mínimo, reclamar de tanta hospitalidade, mas, neste caso, ela tirou um pouco nossa flexibilidade.
Gostaríamos de ter ficado uma noite a mais em Terjit, por exemplo, e nem parar em Atar (ainda que nossa parada tenha rendido frutos para divulgar um pouco mais sobre a Mauritânia). Também tivemos que permanecer no quarto do hostel em Nouakchott para conseguir produzir para o blog e fazer nossas pesquisas.
Achamos que este último ponto acabou gerando um pouco de mágoa em Menne. Para nós, estava confirmado o táxi para a manhã seguinte, pois nos foi dito que o motorista iria dormir no hostel, como fez antes de ir para Terjit. No dia seguinte, porém, ele não estava lá e não atendia o telefone. Conseguimos um táxi na rua, e ficou tudo bem, mas saímos de lá com essa impressão.
Controles policiais
Além da hospitalidade, algo que nos chamou a atenção é a quantidade de postos de controle policial nas estradas. Em alguns deles, é preciso entregar a cópia do passaporte para, em caso de haver algum problema, eles checarem por onde passamos. Por isso, é preciso sempre andar com cópias em abundância.
Antes de deixar o Saara Ocidental, fizemos 15, com os passaportes de ambos em cada folha. Jersey, nosso amigo polonês, acabou não fazendo o mesmo, e mostrava o passaporte sem maiores problemas —mas ficou nítido que eles estranham o fato de não ter cópias.
Entre a fronteira e Nouadhibou, foi apenas uma parada, já que o deslocamento foi de cerca de uma hora. Já entre a cidade no litoral norte e a capital, o motorista já diminuía bem a velocidade ao se aproximar do posto de controle, e acabamos dispensando cerca de quatro cópias. De Nouakchott para Terjit e depois para Atar, apenas duas em aproximadamente seis horas —vimos que o condutor era mais safo.
Já para a volta de Atar, o motorista pediu oito cópias para ficar com ele e, em cada posto, ele já parava entregando. Demos sete, e ele usou cinco. Por fim, de Noukachott para a fronteira com o Senegal, não usamos nenhuma cópia, pois o condutor também não parava muito.
Então, antes de ir para a Mauritânia, leve muita energia para se embrenhar pelo país e cópias de passaporte, umas 20 para não ter maiores problemas.
























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