Assim como fizemos entre Serra Leoa e Libéria, dividimos nossa jornada para cruzar das terras liberianas para as da Costa do Marfim. Além do objetivo de passar o mais cedo possível pela fronteira, temíamos a postura dos oficiais marfinenses diante do nosso laissez-passer (LP), uma documentação exigida pelo governo desde o início da pandemia de Covid-19.
Originalmente, a justificativa era poder monitorar a entrada e a saída dos estrangeiros no território. Mas, mesmo com a diminuição de contágio do vírus, essa burocracia continuou sendo obrigatória, a ponto de embaixadas marfinenses (como na Guiné e na Serra Leoa) serem impedidas de fornecer o LP para quem, como nós, viajasse de transporte público. Só poderia obter o documento quem transitasse de carro, moto ou bicicleta.
Ouvimos a história de que alguém comprou uma bike qualquer, a levou no bagageiro do táxi até a fronteira, a empurrou diante dos oficiais e de lá a carregou em outro bagageiro. O que importava era ter um meio de transporte. E sim, cogitamos usar essa estratégia, depois de descartar comprar uma moto —jovens (de alma) têm cada ideia, né?
A primeira parte de nossa viagem foi entre Monrovia, a capital liberiana, e Ganta. Ainda bem que fizemos apenas esse trajeto no dia, porque o trânsito no Red Light Market é bem complicado: levamos mais de 1 hora até chegar ao ponto de partida dos veículos.

Por US$ 10 (R$ 54) cada, nos enfiamos num six-places —um carro velho em que 2 passageiros dividem o banco ao lado do motorista e outros 4 se apertam no de trás. A viagem até Ganta durou menos de 4 horas, e olha que passamos por 5 barreiras, das quais 3 foram com checagem de passaporte.
Tensão para chegar à fronteira
Após passar a noite em Ganta, começamos o dia com a tensão de encontrar transporte para a fronteira. Havíamos lido no blog Only by Land, do britânico James Smith, e num relato no grupo de Facebook West Africa Travellers que era possível viajar tanto de moto —US$ 20 (R$ 108) por pessoa— quanto num táxi compartilhado.
Por questão de segurança, evitamos a todo custo usar um transporte de duas rodas, principalmente porque, na África, é muito comum o piloto levar 2 passageiros, além das mochilas —como foi na fronteira entre Guiné-Bissau e Guiné.
Em Ganta, nos indicaram uma estação de táxis compartilhados, mas ninguém estava indo em direção à fronteira. Os motoristas queriam cobrar US$ 80 (R$ 432) pela viagem, o dobro do que estávamos dispostos a pagar, já que iríamos apenas nós dois. Batíamos na tecla de que queríamos dividir a corrida com outros passageiros, mas eles não nos entendiam —ou fingiam. Partimos, então, para outra estação.
Um motorista estava disposto a nos levar por US$ 50 (R$ 269,50), ainda assim acima do nosso orçamento. Eis que surge alguém topando US$ 40 (R$ 215,50) o casal. Quando entramos no carro, entendemos o motivo: foi, de longe, o pior em que viajamos. É verdade que tínhamos bastante espaço, mas o cheiro forte de gasolina e o estado calamitoso do veículo nos deixou tensos do início ao fim.
O início da percurso foi numa estrada relativamente boa, mas os dois terços finais justificaram a recomendação dos moradores locais para usarmos uma moto, e não um táxi. Além de ter muitos trechos em obra, havia chovido no dia anterior, o que formou lamaçal e inclusive pequenos lagos.
O pior, no entanto, foi o constante aquecimento do motor, o que obrigava o motorista a parar o carro, normalmente próximo a um riacho ou a um aglomerado de casas. Assim, ele conseguia encher um galãozinho para encharcar as engrenagens e, assim, esfriá-las.
Ao todo foram 5 paradas, das quais 3 em barreiras policiais, no meio do nada —outro motivo de tensão, pois tudo levava a crer que ali nos cobrariam suborno, principalmente na que nos fizeram entrar em uma clareira entre as árvores. Mas em nenhuma houve pedido do tipo.

Outra estratégia adotada pelo motorista para esfriar o motor era desligá-lo no alto de ladeiras e conduzir o veículo entre os buracos morro abaixo. O problera era na hora de religar o carro, que engasgava num som que nos fazia pensar “é agora que essa merda vai arriar de vez e vamos ficar parados no meio do nada”.
Tensão entre Libéria e Costa do Marfim
Contra todos os sinais, conseguimos chegar à fronteira. O motorista ainda tentou nos engambelar no troco, mas somos brasileiros e não é tão fácil assim. Como é muito comum em divisas entre países, sempre surge alguém para nos “ajudar” e mostrar para qual salinha devemos nos dirigir, cobrando algo no fim.
No lado liberiano, tivemos que apresentar na primeira parada os usuais comprovantes de vacinação contra febre amarela e Covid. Na seguinte, nossos dados foram anotados num caderno, enquanto que a última era destinada aos carimbos nos nossos passaportes brasileiros.
A oficial, no entanto, nos orientou a, antes de mais nada, cruzar a fronteira e ver com os agentes marfinenses se nossa documentação (leia-se LP) estava ok. Caso sim, voltaríamos para o lado liberiano atrás do carimbo de saída. Aparentemente, viajantes tiveram problemas com essa burocracia da Costa do Marfim, o que obrigava a Libéria a dar outro carimbo de entrada para o estrangeiro recusado.
Tensos, cruzamos a ponte e os cerca de 200 metros de chão de terra. Primeiramente, mostramos a um oficial carrancudo os passaportes e os LPs impressos, que haviam sido enviados via WhatsApp.
Ele nos disse que aquele carimbo poderia ser facilmente falsificado. Mostramos, então, a foto enviada pelo celular. Aparentemente a imagem o tranquilizou e ele nos encaminhou para a seção de saúde, onde um simpático enfermeiro analisou nossos comprovantes de vacinação.
O oficial nos chamou novamente, agora para dentro de sua sala, e checou e rechecou nossos passaportes. Perguntou sobre o carimbo liberiano e explicamos a orientação da oficial do país vizinho. Ele, então, nos liberou para voltarmos os 200 metros e regularizarmos a situação. Em menos de 15 minutos estávamos novamente em sua sala, com tudo ok.
O marfinense ainda nos deu um chá de cadeira. Tirou várias fotos dos passaportes e ainda chamou outro oficial, que fez mais registros. No fim, pediu para que ficássemos lado a lado para uma seção de fotos nossas, sorrindo, igual aquelas de ganhadores de prêmios. A dúvida é: qual o destino de tanta imagem?
Com a burocracia em dia, fomos abordados por um motociclista que se ofereceu para nos levar até Danané, a cidade mais perto, por 20.000 XOF (R$ 176). Queríamos um carro, mas, segundo um oficial, só teria de noite. Contrariados, aceitamos que teríamos que viajar de moto e, após muita negociação, fechamos a corrida em 10.000 XOF (R$ 88).
Nem 10 minutos depois chegamos a uma barreira com 4 agentes, e um deles não entendia nosso laissez-passer. Houve um debate entre eles sobre o documento, mesmo que estivéssemos vindo da fronteira com nosso carimbo de entrada. A confusão durou cerca de 10 minutos, até eles resolverem nos liberar. Nas outras duas barreiras, nem um pio sobre o LP. No fim das contas, nossa viagem durou 1 hora, em uma estrada de chão batido.
O piloto nos deixou, em Danané, na boca da van que partiria para Man, nosso destino final. O primeiro a nos abordar falou que sairia 2.000 XOF (R$ 19,50) por pessoa, mas um jovem, que se disse dono do veículo, cobrou 500 XOF (R$ 5) a mais. Tivemos que aguardar 1h30 até a van encher e, em cerca de 2 horas, entre sobe e desce de passageiros e paradas em barreiras numa estrada bem boa, chegamos à cidade das 18 montanhas, como Man é conhecida.















Deixar mensagem para Nina Rosa Lima Medeiros Cancelar resposta