Viajar de ônibus por Angola pode ser uma grande aventura —ou você pode acabar nem embarcando. Fizemos três grandes viagens pelo país: uma entre a fronteira e Luanda, outra da capital para Benguela e a última entre a cidade litorânea e Santa Clara, na divisa com a Namíbia.
A nossa entrada no país foi meio tensa. Após um chá de cadeira da burocracia, era hora de ir atrás do transporte. Até tentamos um carro para chegar no mesmo dia à capital, mas tivemos que ir num ônibus noturno, com saída às 16h30 e chegada prevista entre 5h e 6h. E que aventura foi.
Não tinha entretenimento de bordo, mas nem precisava. Lá pelas 18h, uma discussão acalorada, naquele português com sotaque, já deixou a fofoqueira que habita em mim de orelha em pé. Um passageiro perdeu o tíquete, e nele estava indicado que era preciso guardar o papel até o fim da viagem. Ele tentou explicar que estava segurando do lado de fora da janela e deve ter deixado cair ainda em Luvo, mas nada feito.
Logo que entramos no ônibus, ainda na fronteira, de fato vimos este passageiro pendurado para o lado de fora conversando com alguém. Acho que foi aí que ele perdeu o bilhete. O funcionário da Angola-Real não quis nem saber de história, ou ele pagava de novo ou descia.
O passageiro não arredava o pé e a discussão escalonou até o motorista intervir, dizendo que trabalhava havia 14 anos na empresa (o que tem a ver também não sei) e que era melhor o passageiro descer para resolver e pegar o próximo, que passaria dali a duas horas. Finalmente, o enrosco foi resolvido —ao menos a parte que nos segurava ali.
Mas essa calmaria toda do motorista não durou muito. A cada parada, fosse numa das muitas barreiras policiais (foram seis no total, em plena madrugada), fosse uma pausa prevista, ele tinha que buzinar e dar partida devagar para que os passageiros voltassem.
Até que lá pelas duas da manhã, depois de uma parada de 20 minutos seguida de outra barreira em que ficamos por volta de 1 hora, um passageiro, na hora de ir embora, falou: vou descer para mijar (eles falam assim mesmo). O motorista: “está bem”. Liberou o passageiro e arrancou.
Mais uns dois minutos, vem a mãe do abandonado gritando lá de trás dizendo que o filho tinha sido deixado na estrada. Pedindo, meio que chorando, para o motorista voltar ou parar —lembrando que as estradas nessa região não eram asfaltadas, não tinha cidades muito grandes e muito menos iluminação.
O motorista parou. Ela desceu. Atrás foram uns dois bons samaritanos ajudar e mais uma meia dúzia de curiosos. Pois não teve bom: ele chamou de volta, as pessoas não vieram e ele tocou em frente. Aí sim o ônibus inteiro começou a falar que não pode isso, simplesmente deixar passageiros por aí, ao que ouviam como resposta muitos “porras”.
Mais alguns quilômetros percorridos, ele faz a volta e vai atrás do primeiro abandonado. Ele estava em um vilarejo, cujos moradores aplaudiram quando o ônibus voltou. Depois, foi a vez de buscar os que estavam perdidos pela estrada. Entretenimento de bordo pra quê?
E se você achou que história dessa viagem acabava aqui, achou errado. Estávamos a 20 quilômetros do centro de Luanda, eram 5h30, e o motorista acertou um buraco. Estourou o pneu e também uma janela. Tão perto do destino, abandonamos o ônibus e contamos com a ajuda de um passageiro para chegar até o Oásis —é o nome da hospedagem, mas depois de toda a essa aventura, calhou bem.
Os abandonados fomos nós
Para viajar de Luanda a Benguela, optamos pela Macon, empresa que conta com reputação no país. Aqui tem entretenimento de bordo, e vimos o início de Titanic duas vezes. Fora uma música alta e um ou outro passageiro falando em um ônibus noturno, a viagem ocorreu sem intercorrências.

Não posso dizer o mesmo do trecho entre Benguela e Santa Clara. O ônibus saía às 21h30, mas vinha de Luanda desde as 11h. Para começar, já chegou com uma hora de atraso. Enquanto Faraó resolvia as malas, entrei para ver os assentos, e havia uma senhora no nosso. Disse que na cidade anterior falaram que ela poderia sentar onde estivesse livre. Respondi que nosso assento era marcado, mas ela afirmou e reafirmou que só sairia se fosse para o seu assento.
Nesse meio tempo, chegou o Faraó e um cara que estava ocupando nossa outra poltrona. A essa altura, eu já estava irritada e fiquei plantada ali, enquanto vinha o gerente resolver. O problema era que havia apenas três assentos livres, nenhum deles juntos (como havíamos comprado), mas isso não era o pior: dois estavam quebrados.
Aí foi um auê. Trouxeram um outro ônibus, com todas poltronas funcionando, mas metade simplesmente não quis descer “por causa de duas pessoas” (ainda mais dois estrangeiros). Teve gritaria, confusão, mas não teve jeito: eles não arredaram o pé. O gerente, então, fez a conta: meio ônibus gritando aqui de madrugada ou dois estrangeiros que não vão fazer nada —leia-se, processar. Se não queríamos viajar nos assentos quebrados, que ficássemos nós.

Foi a vez do meu show. Insistimos (e muito) para que pagassem nossa hospedagem, mas isso não está na política da empresa. Para conseguir, só processando. Por mim, ficaria na sala da empresa a noite inteira e é isso mesmo, mas Faraó não tem o sangue tão quente. Ficou acertado que iríamos no ônibus às 6h30, só que pedi a garantia dos assentos juntos conforme estava marcado na passagem. Por sorte, na manhã seguinte, ele conseguiu. Não responderia por mim se fosse diferente.
No fim, acabamos só cruzando a fronteira na outra manhã, pois o ônibus que nos prometeram chegar entre 15h e 16h aportou em Santa Clara às 20h —como já esperávamos, na verdade. Além de muitas sonecas, pudemos ver três vezes a cena de Toretto pulando de uma montanha a outra dentro de um carro por uma corda, já que o filme da vez era Velozes e Furiosos 9.















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