Mal passava das 18h e a noite já tinha caído forte em Ladybrand. Não sabemos se por causa do frio intenso ou da cultura local, mas era difícil encontrar alguém nas ruas da cidadezinha da África do Sul.
O estranhamento aumentou ao passarmos pelo portão da nossa hospedagem —com uma placa de escola, talvez um internato— e encontrarmos uma série de residências com luzes apagadas.
O nosso destino era o casarão no fim da rua. Na fachada, o ano de sua construção: 1920.
Ainda cantávamos uma música alegre ao desembarcar do carro e andar por um longo caminho, quando um jovem calado nos atendeu. Nossa reserva era para uma casinha a alguns metros dali, mas a falta de internet nos fez mudar para a mansão.
O prédio, de dois andares e janelas enormes, guardava um espaço interior descomunal. Uma simples porta no hall de entrada, de número 9, nos levou para um longo e escuro corredor.
Na primeira porta, à direita, um quarto com uma cama de casal e uma de solteiro, além de grandes armários. Suas portas estavam todas amarradas. No quarto ao lado, outra cama para duas pessoas.
O corredor ainda dava acesso a uma cozinha moderna e iluminada, que contrastava com a sala escura. Dali era possível ir ao banheiro. Quem estivesse naquele ambiente dificilmente escutaria algo vindo do quarto.
Naturalmente dormiríamos em ambientes separados, mas Henrique, em tom de brincadeira (ou medo?), disse que, se fosse para ficar sozinho, passaria a noite no carro. Eu, brincalhão que sou, tirei muito sarro da situação. Após muitas risadas, levamos nossas bagagens para lá.
Aproveitamos e levamos também o aquecedor do quarto de casal. Após alguns minutos ligado, Pati foi conferir se estava no máximo e ele apagou sozinho. Remexemos no fio e nada. Trocamos de tomada, onde estava o abajur, e ainda nada. Voltamos para o plug original e, de repente, voltou a funcionar.
Durante nossa excursão por aquele miniapartamento, silencioso, acendemos todas as luzes possíveis. Não encontramos, porém, o interruptor do longo corredor. Nem da sala de estar. Para piorar o cenário, das 4 poltronas, uma estava totalmente no escuro.
Na cozinha havia uma porta interna. Do porão? De outro quarto? Em um misto de brincadeira, coragem e medo, tentei abrir.
Trancada.
Racionais, achamos que ela levava para outro apartamento. Mas quem sabe quais segredos guardava?
Henrique, então, nos confidenciou que sentiu a presença de seres na casa. Muitos. E que eles não estavam contentes com a gente ali. Assim, descobrimos que o mineiro tem um grau de mediunidade, além de histórias macabras que nunca nos contou.
Enquanto estivéssemos juntos coragem não faltaria. O problema era quando precisávamos ficar sozinhos —quem vê filme de terror sabe do que estou falando. Por isso a hora do banho seria a pior de todas.
Henrique foi o primeiro. Falei que eu e a Pati poderíamos ficar na cozinha, mais perto do banheiro, para dar conforto a ele. E a nós. Gentilmente, o mineiro negou.
Na manhã seguinte ele nos diria que aproveitou o momento para pedir permissão para ficar na casa, o que nos foi concedida. Após esse aval, tudo e todos se acalmaram na mansão.
Como ainda não sabíamos dessa solicitação, Pati e eu preferimos ficar juntos na hora do banho e, enquanto ela estava no chuveiro, permaneci na cozinha. Ao lado da porta trancada.
Para evitar pensar no que havia do outro lado, perambulei pelo ambiente. Olhei as janelas. Pro bem ou pro mal, não vi nada. A escuridão era forte do lado de fora. Assim como os uivos de um cachorro. Era um cachorro?
Evitava olhar para a poltrona no escuro, assim como para a porta de vidro do quarto de casal. Poderia ver meu reflexo ali. Ou outra coisa.
Na minha vez do banho, como a Pati estava com frio, a acompanhei até o quarto e voltei sozinho pelo longo corredor escuro —maldito interruptor escondido.
A cada porta o medo de ver algo aumentava, principalmente ao passar pela sala escura e pelas janelas, tão escuras quanto.
O que o banheiro tinha de iluminação tinha de frio, e saí do chuveiro tremendo. Prefiro acreditar que era por causa da baixa temperatura.
Agora, a última dose de coragem: voltar ao longo corredor e entrar no quarto. Respira e vai. Dez demorados segundos depois, cheguei à luz. Tudo estava bem no quarto.

Mesmo que as portas dos armários estivessem amarradas, apoiamos nossas mochilas, para fazer pressão. A última coisa que queríamos era acordar de madrugada com bateção de porta.
Nem precisaria de blecaute na janela, tamanha era a escuridão do lado de fora. No fim, era necessária mais uma dose de coragem, desta vez para ficar no escuro à espera do sono. Os uivos tinham acabado, e agora era só silêncio. E medo, obviamente.
Dormi.
Acordei. Por causa de um pesadelo. Mas não abri os olhos, com medo do que poderia ver. Me revirei na cama, esperando não ouvir nada. Levou um tempo até dormir novamente.
Acordei. Desta vez com o despertador. A Pati também não teve uma boa noite de sono. Apenas o Henrique.
A casa tinha outro aspecto com a luz matinal. Parecia até um lugar agradável. As poltronas e a lareira faziam da sala um ambiente encantador. Até percebemos 3 pequenos quadros ali, de arte abstrata. Em um deles, uma forma que lembrava um demônio.
O café da manhã foi ligeiro. Na saída, vimos o jovem de poucas palavras, que nos recebera, na sacada do segundo andar. Corajoso ele. Ao deixar a cidadezinha de 4 mil habitantes, pessoas nas ruas. E, nas portas e muros das casas, várias cruzes.















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