Dois meses depois de só cruzar fronteiras viajando de carro, voltamos ao nosso cotidiano de usar transporte público. Mas, ao contrário da última vez que fizemos isso, entre Angola e Namíbia, desta vez conseguiríamos percorrer todo o trajeto entre África do Sul e Moçambique num único veículo. Isso na teoria, pois na prática a história foi outra.
Em Joanesburgo há ao menos 3 empresas de ônibus ligando a maior cidade sul-africana e Maputo, a capital moçambicana: Intercape —que também tem a rota salvadora de viajante que liga Windhoek, a capital namibiana, a Cidade do Cabo, na África do Sul—, Translux e City to City —essas duas revezam os dias em que atuam. Optamos pela última, já que o preço era menor (R340/R$ 94,50).
O ônibus partiu uns 20 minutos atrasado de Park Station, uma rodoviária na região central que lembra as de boa qualidade que temos no Brasil. Nem bem saiu e já parou por mais uns 15 minutos, ainda dentro da cidade, para pegar outros passageiros.
Na estrada, para nossa sorte, só houve pausas para o banheiro e para o almoço, quando aguardamos os demais companheiros de viagem por cerca de 30 minutos. Tudo corria bem até 15h15, quando chegamos à fronteira.
Fronteira África do Sul-Moçambique
No lado sul-africano a burocracia foi muito fácil. Só não foi ágil porque a oficial ficava mais olhando vídeos em alguma rede social do que trabalhando. Com o carimbo de saída no passaporte, caminhamos cerca de 10 minutos até a fronteira moçambicana.
Com ares de repartição pública antiga no Brasil, o prédio do lado de Moçambique tem uma sinfonia de carimbos, já que vários funcionários praticamente martelam os passaportes. Como temos algumas marcações fraquíssimas em nossos documentos, ficamos felizes com o empenho dos agentes.
Desde maio de 2023 algumas nações passaram a ser isentas de visto e, para a alegria da Pati, a Itália está entre elas. A lista, porém, não inclui o Brasil ou a Polônia —passo a acreditar que há um problema com os polacos por essas bandas da África.
Se você é descendente de poloneses e quer saber se é possível ter sua cidadania reconhecida e o passaporte europeu, o Eduardo Joelson faz esse serviço burocrático. Em 2019 o Faraó o contratou e conseguiu rapidamente a documentação. Caso você o procure por meio da gente, ganhamos 5% de comissão.
Há a possibilidade de pedir o eVisa e eu, obviamente, tentei, com meu passaporte polonês. Alguns dias depois, ele foi recusado. Motivo: eu não enviei a passagem de retorno de avião. A ironia é que não havia como anexar esse documento, sem falar que eu informava que viajaria de carro/autocarro.
Diante da recusa, ficaram algumas soluções:
- Preencher o formulário com uma passagem de avião —há sites que criam esse documento e nós já apelamos uma vez para essa artimanha— e, assim que tivesse o aceite, ir à fronteira por terra;
- Em vez de pedir o visto de turista, tentar o de fronteira, que até agora não sabemos a diferença. O problema é que ele também poderia ser negado;
- Ir até a fronteira e tentar o visa on arrival;
- Desencanar de conhecer a nação lusófona e partir para o Zimbábue.
No prédio da fronteira há uma cabine para os estrangeiros, e é necessário preencher um formulário, estando ou não isento de visto. O grande problema é que o sistema estava fora do ar —segundo 2 paquistaneses, desde as 13h.
Após idas e vindas e 15 minutos, a Pati conseguiu pagar sua taxa de US$ 10 (R$ 51,50) e garantir seu carimbo. Eu tive que esperar, enquanto o agente falava ao telefone com alguém da TI e seu comandante surgia de tempos em tempos para saber como estava a situação.
Como o problema era técnico, só nos restava aguardar, atitude da qual o motorista do ônibus discordava. Ele e outro funcionário da empresa viária fizeram pressão nos oficiais da fronteira, mas de nada adiantou. Após 30 minutos de espera e alguns avisos e discussões, o motorista partiu. Assim, fomos abandonados com nossas mochilas e paciência, torcendo para que o sistema voltasse.
Sabemos que a empresa de ônibus não pode arcar com o problema de estrangeiros sem visto, mas em nenhum momento nos foi avisado que o veículo poderia partir sem a gente. Se o funcionário em Joanesburgo nos tivesse alertado sobre isso, ou mesmo o motorista, teríamos nos precavido e negociado um prazo maior de aguardo. Ou mesmo desembarcado nossas mochilas sem todo o estresse que foi.
Às 17h25, para alegria nossa, dos paquistaneses e de uma família turca, o sistema voltou e os vistos passaram a ser impressos. Ainda houve um impasse sobre o valor a ser cobrado, já que um cartaz sinalizava que custaria 3.500 meticais (US$ 50/R$ 267,50), e o funcionário cobrou 6.252 meticais (US$ 93/R$ 478). Questionamos sobre a diferença de preços, e falaram que a mudança era de 2 meses atrás.
Deixamos o prédio por volta das 18h, no breu. Ao passar por uma cabine de fiscalização, o funcionário nos reconheceu do barraco que fizemos com o motorista de ônibus —sim, aplicamos nosso jeitinho brasileiro de argumentar em debates acalorados.
O oficial, preocupado com nossa segurança, se solidarizou e parou um motorista de van para saber se havia lugar para a gente. O homem cobrou R400 (R$ 107), mas topou nos levar por R300 (R$ 80), que era o que tínhamos no bolso —e ele ainda nos deixou na nossa hospedagem em Maputo.
Assim, após sermos abandonados na fronteira, ganhamos a ajuda de um agente para chegarmos sãos e salvos ao nosso destino. Creditamos isso à simpatia do povo moçambicano e ao carisma do brasileiro.
















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