Chegamos à Namíbia sem saber muito bem como iríamos (ou se iríamos) explorar suas belezas. Este foi um dos poucos países em que fizemos uma pesquisa prévia, então isso acabou alimentando um pouco as expectativas.
Decidimos ficar em um hostel em Windhoek, a capital, por dois motivos principais: 1) saudades de ficar em um e interagir com outros viajantes; 2) e encontrar algum grupo para percorrer o país.
Depois de um dia de descanso e algumas interações com gente do Canadá e da Inglaterra, observamos a quantidade de alemão que tem por essas bandas. E foi justamente com uma germânica que encontramos a nossa sorte. Katrin, de Munique, buscava companheiros para viajar pelo sul, acampando. De início, ficamos meio assim, pois a Pati nunca tinha sequer entrado em uma tenda, e o Faraó apenas uma vez, nos idos de 2010.
Conversamos melhor, avaliamos os valores e decidimos que era factível. Assim, decidimos partir em uma quarta-feira para uma viagem de seis noites e sete dias.
Informações práticas*:
- Aluguel do carro: 10.450 NAD (R$ 2.841)
- Pneu novo: 2.560 NAD (R$ 696)
- Camping (6 noites): 1.452 NAD (R$ 399,50)
- Entradas: 523,50 NAD (R$ 140,50)
- Visto: não é necessário para brasileiros
- Moeda: dólar namibiano (R$ 1 = 3,68 NAD)
- Dica: as estradas de asfalto são boas, mas há muitas estradas de brita, então preste atenção na velocidade; use como guia o app iOverlander
* valores para junho de 2023
Nosso roteiro incluía as dunas de Sossusvlei e as árvores quase milenares de Deadvlei, a cênica estrada na fronteira com a África do Sul, o Fish River Canyon (o segundo maior do mundo!) e as diferentonas árvores da Quiver Tree Forest, além de animais que avistássemos pelo caminho. Mas não se preocupe que vamos explicar dia a dia.
Dia 1: saída de Windhoek
O primeiro dia foi praticamente apenas deslocamento. Fomos de manhã pegar o carro na Drive Namibia, que fazia a locação de um 4×4 com tudo o que fosse preciso para acampamento (lista abaixo). De lá, fizemos uma parada no supermercado para garantir nosso alimento dos próximos dias e caímos na estrada por volta das 10h45.
O destino não era longe, para os padrões de quem viajava com certa frequência entre São Paulo e Campo Grande (983 km) ou Floripa (697 km). Entre Windhoek e Sesriem, o camping na entrada do Sossusvlei, eram 306 km, mas os belos cenários pela estrada e as paradas para ver os órix (uma espécie de antílope) acabaram alongando a jornada.
Na locadora do carro, nos indicaram um percurso específico, que prometia ser muito bonito —e era. Por isso, deixamos o mapa para quem quiser repetir. O auge foi o Spreetshoogte pass, com uma vista de tirar o fôlego (assim como a estrada de descida).
Com tantas paradas, acabamos chegando a tempo apenas de ver o pôr do sol e montar nossas tendas pela primeira vez. Foi um pouco estressante tentar se entender, mas a montagem é relativamente fácil. Difícil mesmo foi fazer a água para o arroz ferver com tanto frio e vento —aprendemos depois a deixar o fogareiro em um local mais protegido das rajadas de ar.
Escolhemos o Sesriem Campsite – NWR por ficar dentro do parque, o que nos permitiria partir uma hora antes de os portões abrirem, ou seja, 6h30. No fim, não valeu tanto a pena. Saímos 7h15, o sol nasceu 7h45, e o custo-benefício do local está longe de ser dos melhores.
Por 550 NAD (R$ 156) por pessoa, você ganha uma árvore com uma fraca fonte de luz e algumas tomadas (no modelo namibiano). Os banheiros são limpos, mas não testamos se a água do chuveiro é quente. Há um restaurante e Wi-Fi, mas este é pago. E é preciso reservar com antecedência. Do lado de fora há opções mais em conta, mas seus hóspedes só podem entrar mais tarde no parque. Na nossa opinião, para esta época do ano, não faz muita diferença.









Dia 2: Deadvlei e Sossusvlei
Acordamos cedo para conferir o nascer do sol dentro do Sossusvlei, e o vimos na estrada para as dunas. O parque inclui a Dune 40 e Dune 45 (números em referência à quantidade de minutos que leva para subi-las) e o Deadvlei.
Para chegar ao Deadvlei, o vale das árvores mortas, há duas opções: carro normal (as estradas são boas) e o shuttle que custa 180 NAD (R$ 51) por pessoa ou com um 4×4 e se aventurar nas dunas. Fomos na última opção, com Katrin ao volante. Exceto uma parte mais fofa, a travessia é tranquila e curta, pois são só 5 km.
Tivemos a sorte de ver o local em um cenário com nuvem e neblina, algo que acontece três ou quatro vezes ao ano, segundo um guia local. Os troncos retorcidos e pretos são de árvores que estão lá há mais de 900 anos. Quando as dunas invadiram o rio, o clima ficou tão seco que as árvores nem conseguiram se decompor, formando um cenário único.
Em volta, há as dunas Big Mama e Big Daddy, que fornecem uma vista espetacular, se o tempo estiver limpo —o que eventualmente aconteceu, então pudemos aproveitar o local com nuvem e com sol. De lá, fizemos uma pausa na Dune 45 para almoçar, pois há mesas de piquenique. Ninguém teve ânimo para subir, mas foi uma bela refeição com vista.
Na saída, primeiro perrengue: pneu furado. Um guia viu, nos avisou e ainda ajudou a trocar. Com o contratempo, decidimos seguir para um camping mais próximo, a cerca de duas horas dali.
O At Kronenhof foi um achado! Há três espaços para camping (170 NAD/R$ 46 por pessoa) com banheiro compartilhado e três individuais, além de lodges. Por ser uma extensa área aberta, animais como girafas circulam por ali —pena que não foi dessa vez que vimos. Os banheiros são muito limpos, com ótimos chuveiros, e do lado de fora há mesa, tomadas e uma construção para bloquear o vento.
Outra vantagem é o simpático funcionário da recepção, que ainda verificou o pneu. No fim, era só uma válvula (achamos que, com a pouca experiência na hora de esvaziar para entrar na areia, acabamos estragando) e custou 20 NAD (R$ 5,50).










Dia 3: Lüderitz
Como paramos o carro de um modo a ver o dia raiar da barraca, imagine a beleza que foi. Quando o sol despontou, já estávamos com o café preparado, prontos para nos aquecer. Ficamos ainda algum tempo no prédio principal do camping, aproveitando a internet e bebendo uma outra grande caneca de café, a 20 NAD (R$ 5,50).
De lá, partimos para Lüderitz, uma cidade tipicamente germânica na costa. Mas não sem antes ter mais um perrengue. Em um trecho de estrada de brita, um outro pneu furou, e só percebemos depois de rodar um tanto com ele. Desta vez, sem ajuda externa, trocamos o equipamento danificado. No caminho, paramos no acostamento para comer o resto do jantar do dia anterior.
Na cidade litorânea, nos hospedamos no Lüderitz Backpackers Hostel, de um simpático casal de idosos. Ao contrário da noite anterior, não tivemos uma bela paisagem para ver o pôr do sol, já que o carro ficou no estacionamento do local. Desta vez, porém, pudemos desfrutar do quentinho do hostel, de sua cozinha equipada e sala confortável, além de uma rápida internet, a 140 NAD (R$ 38) por pessoa.

Dia 4: Kolmanskop, a cidade fantasma
Partimos cedo para Kolmanskop, uma cidade a 10 km de Lüderitz que viveu seu apogeu no início do século passado, por causa da extração de diamantes, mas que agora se tornou uma cidade fantasma, tomada pelas dunas de areia e visitas de turistas.
Com ingresso a 130 NAD (R$ 35) e tour gratuito às 9h30 e 11h —o local fica aberto das 8h às 13h—, conhecemos mais sobre a história da cidade.
Em 1908, um trabalhador local encontrou diamantes e mostrou ao seu supervisor, que levou alguns exemplares para um avaliador. Assim como fofoca, história de mina de pedras preciosas corre mais rápido que maratonista com vontade de ir ao banheiro (experiência do Faraó). Em pouco tempo, muita gente chegou ao povoado para conseguir seu filão.
Com arquitetura germânica, Kolmanskop se desenvolveu e chegou a ter 300 adultos e 40 crianças, além de 800 mineiros. Em suas poucas ruas era possível encontrar fábrica de gelo, açougue, padaria, cassino e hospital.
Os alemães deixaram de governar a Namíbia no fim da Primeira Guerra, mas permaneceram no local, mesmo com a África do Sul assumindo o controle do país.
Com a regulamentação da extração, o esgotamento das pedras preciosas e a descoberta de uma nova mina em outro local, Kolmanskop começou seu declínio e, nos anos 1950, deixou de ter moradores. Os anos se passaram e a areia tomou conta do lugar.
Uma das casas, mais bem preservada, volta e meia serve de cenário para filmes —segundo nossa guia, um filme de super-herói teve gravações ali em 2022—, e fotógrafos amadores aproveitam a paisagem distópica para seus cliques.





















Após nossa longa sessão de fotos, voltamos a Lüderitz, que também tinha seu ar de cidade fantasma, pois poucas pessoas andavam pelas ruas na tarde de sábado, quando até supermercado estava fechado. Por sorte, encontramos o Cosy Corner Coffee Shop aberto, onde é servido um parrudo hambúrguer.
Alimentados, fomos ao Shark Island, local onde, de 1904 a 1908, sob o governo alemão, houve um genocídio de povos originários. Lá, pessoas eram decapitadas e esquartejadas, e seus membros eram jogados no mar, o que atraía tubarões.
Na cidade, ainda levamos o carro a um posto de gasolina, após darmos de cara com as portas fechadas de duas mecânicas, onde 3 frentistas arrumaram (ou tentaram arrumar) o pneu furado.
Rumamos então para a pequena Aus, onde nos hospedamos no Namib Garage, um acampamento com área para assar carne (algo comum por essas bandas) e banheiros limpos, a 125 NAD (R$ 34) por pessoa.





Dia 5: fronteira da África do Sul
O roteiro da nossa viagem era praticamente um círculo, pois desceríamos o país pelo lado oeste e subiríamos até a capital pelo leste. E, no 5º dia, chegou o momento de começar a voltar. Assim, viajamos em direção à fronteira com a vizinha África do Sul. E que paisagem nos esperava, hein.
Nesse trecho, os dois países são divididos pelo rio Orange, e margeá-lo nos proporcionou viajar por trechos verdejantes, assim como um rio com águas bem azuis, ao longe, e que, ao nos aproximarmos, víamos que, na verdade, eram marrom.
Contornamos o cânion e nos dirigimos à Canyon Roadhouse, um camping próximo à entrada do Fish River Canyon, nosso destino do dia seguinte. Há uma hospedagem dentro do parque, mas é mais cara, algo comum na Namíbia. Normalmente há opções do lado de fora dos portões, mais em conta, para viajantes que não se importam em se adequar aos horários de funcionamento do destino almejado.
Esse foi nosso segundo camping mais caro (287 NAD/R$ 77,50 por pessoa), mas ao menos oferecia certas comodidades, como um prédio próximo com banheiros limpos, banho quente, pia e varal para lavar e pendurar roupas, além de um restaurante bem charmoso e quentinho, com vários carros antigos de decoração.







Dia 6: Fish River Canyon
Logo cedo chegamos ao parque, cuja entrada custa 150 NAD (R$ 40,50) por pessoa, além de 50 NAD (R$ 13,50) por carro. Por esse valor, acessamos vários mirantes do Fish River Canyon, o maior cânion da África e o segundo maior do mundo, ficando atrás apenas do Grand Canyon, nos EUA.
Um pouco antes de entrar, já vimos muitas nuvens baixas, e algumas pareciam ser de chuva. Não deu outra. Quanto mais perto ficávamos do cânion, mais fechado ficava o dia, com um chuvisco constante. Foi até bom, porque assim descobrimos que o limpador de pára-brisa estava funcionando.
Foi uma corrida contra o tempo pra tentar fotografar o cânion, mesmo com o chuvisco impedindo ver muito longe. Presenciamos até alguns corajosos trilheiros, que estavam partindo para uma caminhada de 5 dias pelo cânion, com suas mochilas imensas e capas de chuva. E nós só queríamos ir pro quentinho do carro.
Frustrados, dentro do veículo, debatemos se nos daríamos por vencidos e iríamos embora, ou se ficaríamos mais 10 minutos, esperançosos de que o tempo melhoraria. Optamos pela segunda alternativa, e os 10 minutos viraram 20. Qual não foi nossa surpresa quando as nuvens partiram antes de nós!
Como diria o poeta, “quem acredita sempre alcança”, e fomos contemplados com uma magnífica vista do cânion, ainda com algumas nuvens resistentes, o que deixava o cenário mais inusitado.
Após uma longa sessão de fotografia do cânion, tomamos nosso rumo para o próximo destino, no caminho para Windhoek.
Alguns quilômetros de estrada depois, nos deparamos, ao acaso, com uma girafa comendo despretensiosamente seu almoço, no alto de uma árvore. Vimos, nos dias anteriores, vários órix, cervos e avestruzes, além de alguns macacos e cavalos selvagens. Encontrar uma girafa, no entanto, foi um marco.
Na estrada ainda fizemos uma pausa numa pequena fazenda, indicada no app iOverlander, uma mão na roda para viajantes, onde um casal de idosos vende guloseimas. O apfelstrudel prometido estava longe de ser o doce alemão, mas ainda assim era delicioso. Para acompanhar a torta de maçã, uma grande garrafa de café e muito papo do proprietário.
No meio da tarde chegamos ao nosso último camping, um local árido em que o dono, com muita inventividade, criou um espaço com os banheiros e pequenas proteções contra o vento forte, a 180 NAD (R$ 48,50) por pessoa. O empreendimento era simples, mas o ambiente era sensacional, com diversas árvores típicas da região e um belo pôr do sol. Mais uma sessão de fotografia no dia.












Dia 7: retorno para Windhoek
Nosso último dia de estrada foi o mais longo na direção, e o com menos paisagem inusual. Se nos dias anteriores havia muita aridez, dunas ou margens verdejantes, agora víamos apenas uma planta baixa na beira da rodovia.
Encontramos um belo café no caminho, em um povoado, com ótima infraestrutura e comida deliciosa. Salvou nosso almoço e nosso humor, que estaria calamitoso ao chegar à capital se não comêssemos nada.
Ao devolvermos o carro, em Windhoek, a funcionária da locadora olhou superficialmente o veículo e cobrou um pneu novo, já que havíamos destruído um, ao andar alguns quilômetros com o equipamento danificado.
Ficamos na dúvida se a rápida revisão foi por termos aparências de viajantes maduros, ou então porque ela tinha um compromisso muito em breve e não queria se atrasar.
Assim, após uma viagem de carro com uma alemã desconhecida —que não roubou nossos rins, apesar dos temores dos pais da Pati— por belas paisagens, chegou ao fim nossa jornada pelo sul da Namíbia.















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